O chumbo voou através do corredor do hospital enquanto a horda cambaleante avançava na direção de Álvaro… A multidão tropeçava por cima dos cadáveres caídos, das macas e cadeiras espalhadas pelo caminho, tudo que havia sido deixado para trás durante o início do fim de tudo. As manchas de sangue que pintavam as paredes e o chão de vermelho e negro já estavam ali antes de Álvaro ter despertado a atenção dos desmortos.
Cada metro a menos da distância entre o mercenário e os zumbis significava que os momentos finais da vida de Álvaro Ramires ficavam mais próximos, porém ele estava ali para lutar até o último segundo: ganhando tempo para a fuga da Doutora Naomi e pro resto da Equipe Caronte, uma punhado de pescoços duros que não tinham mais nada para perder, ainda assim ajudavam da melhor forma que sabiam: localizar e destruir!O fuzil cuspia sua munição, decapitando e desmembrando. A carne daquelas pessoas que haviam esquecido de morrer era dilacerada pelo chumbo, mas pouco sangue ainda jorrava pelos buracos feitos em seus corpos, apodrecidos há dias, seu sangue adquirira uma viscosidade repugnante. Eles não sentiam mais medo nem possuiam qualquer sinal de consciência, a única coisa que lhes restou era a fome. Inexplicável. Eram menos que animais, tomavam seu caminho para fora de qualquer classificação biológica que pudesse explicar sua existência.
As rajadas da arma de fogo os retardavam, mas a turba seguia, sem hesitação, estendiam seus braços decrépitos e abriam as bocarras enegrecidas pela gangrena generalizada, em busca de carne. A carne de Álvaro!Subitamente o barulho ensurdecedor dos cartuchos explodindo deu lugar a uma sequência curta de pequenos cliques. Sem munição.
O jogo estava acabado.
Álvaro não tinha muito tempo para pensar a respeito, ele aprendeu a agir sob pressão e reflexo. Pegou sua faca e a arremessou no último desmorto que teve a oportunidade de abater. A lâmina cravou em cheio na testa do alvo, que caiu como se alguém tivesse lhe apertado um botão de desligar, caiu como se finalmente tivesse percebido seu destino manifesto:
— ESTÁ MORTO, CARALHO! — Em seguida Álvaro olhou em volta e tomou a primeira porta que viu antes de quase ser apanhado pelas mãos e dentes dos lazarentos. Tudo ficou escuro. Ainda sob ato reflexo tateou até a tranca da porta enquanto usava o próprio corpo como escora.
Pelo cheiro e pelo espaço reduzido em que acabou confinado, deduziu que estava numa dispensa de materiais de limpeza. Estava num beco sem saída.“A barca do ceifeiro finalmente o levou pro outro lado do rio”, era como diziam em seu grupo sobre os membros que morriam em missão. A Equipe Caronte era formada por homens e mulheres que iam pelo rio do Inferno e sabiam que um dia a viagem chegaria ao final.
Na escuridão, Álvaro tentou se acalmar, controlar a respiração, reduzir a adrenalina e pensar. Sentou, suspirou profundamente e esperou… Não tinha mais nada para fazer além de esperar, não haveria resgate para ele. A engenheira química que foram resgatar já estava salva e sua missão estava cumprida. Ao custo de sua própria vida? Álvaro pensou que era uma troca justa. Considerando que os líderes da comunidade estivessem certos em relação à doutora.Entre o vazio escuro daquele lugar e a algazarra insana do lado de fora, a iminência da porta desabar era uma preocupação. Álvaro começou a perceber que não era tão durão quanto imaginava, a ameaça da morte já assediava os limites dos seus nervos. A situação se tornou uma questão de escolha: morrer por inanição preso naquele buraco ou se entregar às criaturas e ser transformado em mais um dos que andavam sem estar vivos.
A segunda opção era algo que não aceitaria. — Nunca! — Tateou os objetos em volta, pensou em cometer suicídio bebendo o material de limpeza, mas isso poderia condená-lo a uma longa agonia antes que a morte chegasse… Se realmente chegasse.Então Álvaro praguejou que talvez tivesse se livrado cedo demais de sua faca.
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