sábado, 25 de janeiro de 2020

Caronte: Sessão Pipoca dos Mortos (Ato 4)

Escrito por
MIKE WEVANNE

Dedicado a
PBG e AAV

Obs: leia os capítulos anteriores seguindo os links no final do post.

4.

Abafando os gritos desesperados de Andréa, a dupla ouviu um urro semi-humano, animalesco demais para ser produzido pela garganta de um homem. Sob a penumbra, Prisco e Michelle chegaram à sala e encontraram um invasor atacando Andréa. Suas costas e os braços estavam cobertos de algo escuro. Escuro como sangue nas sombras. Andréa golpeava seu agressor enquanto ele a agarrava com as duas mãos e debruçava a cabeça sobre ela, como quem quisesse forçar um beijo.

Michelle atravessou a sala e saltou sobre as costas do estranho, envolveu o pescoço do homem com uma chave de braço e jogou o corpo para trás, mas ele não largou sua amiga. Prisco chegou em seguida, com uma pancada conseguiu libertar Andréa. Agarrou o invasor pela camisa e o jogou na direção da porta, que estava aberta. O peso de Michelle pendurada em seu pescoço fez com que o homem perdesse o equilíbrio. Além dos braços e ombros, o estranho também tinha o rosto e o pescoço ensanguentados. Prisco lhe acertou um chute no meio do peito. Ele cambaleou para fora do apartamento, e caiu no corredor.

Com Michelle ainda agarrada em suas costas.

Prisco viu a amiga sendo engolida pela escuridão do corredor. Um raio de luz surgiu, apontado de maneira caótica naquela direção, Andréa tinha pegado a lanterna e tentava ajudar. Eles conseguiram ver Michelle se arrastando para longe do homem que havia caído junto com ela e então a atacava. — Michelle! — Andréa gritou quando a amiga saiu do seu campo de visão. Foi quando eles ouviram uma comoção barulhenta, aquela confusão havia atraído os outros invasores que estavam naquele andar do prédio. Os urros cada vez mais altos e ferozes chegaram aos ouvidos de Prisco como uma onda de terror que se aproximava, o desespero atiçou seu instinto e seu instinto guiou sua ação: correu até a porta e a fechou pouco antes que pancadas furiosas a atingissem. Se ele não tivesse usado a tranca, apenas o seu corpo não teria sido suficiente para impedir que o arrastão tomasse o apartamento.

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Michelle havia se chocado contra a parede e caído no chão atordoada e sem fôlego. Teve apenas um instante para perceber onde estava e quando o fez, seu corpo foi tomado por um calafrio de puro medo. Estava no corredor. O homem com quem tinha caído também estava chão, ele grunia e avançava sobre ela. Na penumbra, um facho de luz surgiu e se revezou indeciso entre focar nela ou no seu agressor. Michelle conseguiu ver num relance os olhos furiosos com que ele a encarava, cuspindo baba e sangue, lançando suas mãos para agarrá-la mais do que estava preocupado em se equilibrar. Ela reconheceu o uniforme do porteiro do prédio. Michelle conseguiu acertar os dois pés em seu rosto e se projetou pro lado. Arrastou-se para longe dele e ouviu Andréa gritando seu nome.

Quando olhou para trás, viu o corredor, que estava escuro como todo o resto, a luz da lua conseguia entrar dentro do prédio por janelas e portas abertas, permitindo que ela visse a massa disforme de vultos correndo em sua direção, gritando e urrando, correndo e cambaleando, fora de controle. Michelle ouviu a porta do apartamento de Prisco bater a alguns metros entre ela o arrastão de loucos, restando apenas ela, as sombras e a morte adiante. Ela virou-se para o lado oposto, levantou e saiu correndo.

Mas foi impedida quando sentiu seu calcanhar ser agarrado pelo pulso gelado e viscoso do porteiro.


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Abaixo seguem os links para a leitura dos capítulos anteriores de Sessão Pipoca dos Mortos:

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Caronte: Sessão Pipoca dos Mortos (Ato 3)

Escrito por
MIKE WEVANNE

Dedicado a
PBG e AAV

Obs: os links para capítulos anteriores desta história estão no final do post!

3.

Detrás da porta do apartamento de Prisco, os três ouviram pessoas pelo corredor, correndo aos apelos de socorro do vizinho. Michelle quis ajudar, tentou tomar a chave do amigo, mas ele protestou.

— Tá doida? Tu não sabe o que tá acontecendo lá fora!

Os gritos tomaram o corredor do andar onde estavam. Barulho de luta. Gritos, xingamentos. E urros insanos de alguém demente. Andréa chorava. Em sua mente desesperada tinha certeza de que o prédio estava sendo alvo de um arrastão violento. Dividiu a apreensão com os amigos. Prisco suava feito um porco. Estava nervoso, com as costas apoiadas na porta e os pés cravados no chão. Pronto para tentar segurar qualquer coisa que tentasse forçar passagem. Michelle estava paralisada, não sabia o que fazer. Queria ajudar, ser útil, mas não fazia ideia de como.

Quando aquele escarcéu passou, ouviam apenas grunhidos incompreensíveis e passos perdidos pelo corredor do lado de fora do apartamento. Imaginaram o pior, não ousaram fazer barulho e atrair quem estivesse vagando ali. Os três atravessaram a noite naquela desesperança.

As ligações pro número da polícia eram inúteis, o sinal de linha ocupada era a única resposta que conseguiam.

Ananda, namorada de Prisco, ligou para o celular dele. Disse que estava segura e com a família. Explicou que o surto da tal super gripe havia piorado e as pessoas estavam manifestando ataques nervosos violentos. Era o que as notícias diziam, pelo que ela havia acompanhado na internet. O celular de Prisco foi o primeiro a ficar com a bateria descarregada.

Daniel, noivo de Andréa, ligou para ela. Ele estava na estrada, voltando para a cidade. Prometeu que ia buscá-la. Ela estava apavorada, queria ir para casa e encontrar a própria família. — “Sexta-feira 13 desgraçada!” — Saber que o namorado estava a caminho a tranquilizou.

Ninguém ligou para Michelle.

Alguns minutos depois a rede de conexão com a internet caiu de vez e os celulares se tornaram nada mais que lanternas. Michelle insistiu em checar o corredor, mas seu amigo não deixou. Ela não gostou de se sentir trancada por Prisco, mas conforme as horas passaram os instintos dos dois se inverteram. Prisco tentou espiar o apartamento vizinho pela sacada e até arriscou escalar a fachada do prédio buscando alguma saída, mas depois de um pequeno escorregão e uma bela encarada para o chão, cinco andares abaixo, resolveu que o risco não valia.

Michelle se resignou a esperar o amanhecer para tomar alguma decisão, afinal poderia ser o tempo da energia elétrica voltar a funcionar. Pareceu um plano razoável diante daquela crise. Prisco começou a sentir uma preocupação crescente com Ananda e alimentava a ideia de ir encontrá-la. Brincava com as chaves entre os dedos, mostrando inquietação. Michelle percebeu. Acabou o convencendo de que poderiam esperar Daniel, que vinha buscar Andréa, então aproveitariam a carona. Andréa gostou de terem incluído Daniel nos planos, desse modo sentiu que ela mesma estava ajudando.

Os três foram para a sacada e ficaram esperando. E esperaram. Abaixo deles, no nível das ruas, ocasionalmente viam pessoas vagando a esmo. Solitárias ou em grupos, as vezes correndo umas das outras. Viaturas policiais e ambulâncias passavam velozes. Todos pareciam vir de lugar algum e ir para qualquer lugar. Gritos desesperados ou grunhidos furiosos ressoavam distantes, abafados pela altura em que estavam.

As horas passaram enquanto esperavam ansiosos o carro de Daniel surgir dobrando a esquina. O vento frio da madrugada roubava mais do que o calor dos seus corpos, também lhes tirava todo o ânimo. Num estalo, Andréa reparou no fato de que mesmo com a chegada do seu namorado eles ainda não sabiam o que estava acontecendo no prédio. Como ele ia chegar até eles? Como o avisariam sobre o perigo vagando pelo corredor? Isso a perturbou. Michelle catou uma garrafa de cachaça perdida na cozinha e Prisco a acompanhou. Foram duas doses para cada, a primeira para espantar o frio, a segunda para acalmar os nervos. Foi quando ouviram um barulho na sala e um grito de mulher. E perceberam que Andréa não estava por perto. Nem as chaves estavam mais com Prisco.


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