sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Caronte: Sessão Pipoca dos Mortos (Ato 3)

Escrito por
MIKE WEVANNE

Dedicado a
PBG e AAV

Obs: os links para capítulos anteriores desta história estão no final do post!

3.

Detrás da porta do apartamento de Prisco, os três ouviram pessoas pelo corredor, correndo aos apelos de socorro do vizinho. Michelle quis ajudar, tentou tomar a chave do amigo, mas ele protestou.

— Tá doida? Tu não sabe o que tá acontecendo lá fora!

Os gritos tomaram o corredor do andar onde estavam. Barulho de luta. Gritos, xingamentos. E urros insanos de alguém demente. Andréa chorava. Em sua mente desesperada tinha certeza de que o prédio estava sendo alvo de um arrastão violento. Dividiu a apreensão com os amigos. Prisco suava feito um porco. Estava nervoso, com as costas apoiadas na porta e os pés cravados no chão. Pronto para tentar segurar qualquer coisa que tentasse forçar passagem. Michelle estava paralisada, não sabia o que fazer. Queria ajudar, ser útil, mas não fazia ideia de como.

Quando aquele escarcéu passou, ouviam apenas grunhidos incompreensíveis e passos perdidos pelo corredor do lado de fora do apartamento. Imaginaram o pior, não ousaram fazer barulho e atrair quem estivesse vagando ali. Os três atravessaram a noite naquela desesperança.

As ligações pro número da polícia eram inúteis, o sinal de linha ocupada era a única resposta que conseguiam.

Ananda, namorada de Prisco, ligou para o celular dele. Disse que estava segura e com a família. Explicou que o surto da tal super gripe havia piorado e as pessoas estavam manifestando ataques nervosos violentos. Era o que as notícias diziam, pelo que ela havia acompanhado na internet. O celular de Prisco foi o primeiro a ficar com a bateria descarregada.

Daniel, noivo de Andréa, ligou para ela. Ele estava na estrada, voltando para a cidade. Prometeu que ia buscá-la. Ela estava apavorada, queria ir para casa e encontrar a própria família. — “Sexta-feira 13 desgraçada!” — Saber que o namorado estava a caminho a tranquilizou.

Ninguém ligou para Michelle.

Alguns minutos depois a rede de conexão com a internet caiu de vez e os celulares se tornaram nada mais que lanternas. Michelle insistiu em checar o corredor, mas seu amigo não deixou. Ela não gostou de se sentir trancada por Prisco, mas conforme as horas passaram os instintos dos dois se inverteram. Prisco tentou espiar o apartamento vizinho pela sacada e até arriscou escalar a fachada do prédio buscando alguma saída, mas depois de um pequeno escorregão e uma bela encarada para o chão, cinco andares abaixo, resolveu que o risco não valia.

Michelle se resignou a esperar o amanhecer para tomar alguma decisão, afinal poderia ser o tempo da energia elétrica voltar a funcionar. Pareceu um plano razoável diante daquela crise. Prisco começou a sentir uma preocupação crescente com Ananda e alimentava a ideia de ir encontrá-la. Brincava com as chaves entre os dedos, mostrando inquietação. Michelle percebeu. Acabou o convencendo de que poderiam esperar Daniel, que vinha buscar Andréa, então aproveitariam a carona. Andréa gostou de terem incluído Daniel nos planos, desse modo sentiu que ela mesma estava ajudando.

Os três foram para a sacada e ficaram esperando. E esperaram. Abaixo deles, no nível das ruas, ocasionalmente viam pessoas vagando a esmo. Solitárias ou em grupos, as vezes correndo umas das outras. Viaturas policiais e ambulâncias passavam velozes. Todos pareciam vir de lugar algum e ir para qualquer lugar. Gritos desesperados ou grunhidos furiosos ressoavam distantes, abafados pela altura em que estavam.

As horas passaram enquanto esperavam ansiosos o carro de Daniel surgir dobrando a esquina. O vento frio da madrugada roubava mais do que o calor dos seus corpos, também lhes tirava todo o ânimo. Num estalo, Andréa reparou no fato de que mesmo com a chegada do seu namorado eles ainda não sabiam o que estava acontecendo no prédio. Como ele ia chegar até eles? Como o avisariam sobre o perigo vagando pelo corredor? Isso a perturbou. Michelle catou uma garrafa de cachaça perdida na cozinha e Prisco a acompanhou. Foram duas doses para cada, a primeira para espantar o frio, a segunda para acalmar os nervos. Foi quando ouviram um barulho na sala e um grito de mulher. E perceberam que Andréa não estava por perto. Nem as chaves estavam mais com Prisco.


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Leia os capítulos anteriores através dos links abaixo!

6 comentários:

  1. "Ninguém ligou para Michelle."

    Eu: (╯︵╰,)

    Michelle representou agora.

    A situação fica cada vez mais sufocante, queria que as coisas ficassem bem, mas pelo jeito elas vão piorar muito ainda...

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  2. Sitiados e desarmados, esse pessoal só tem uma esperança... E que venha logo, pelo menos antes de acabar a comida!

    Esse conto está quebrando clichês belamente. Mesmo remetendo aos já bem manjados filmes de zumbi, a história vai muito bem (digo isso como fã do gênero). Estou bastante instigado para ver onde nos levará.

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    1. Eu adoro histórias de zumbis... E um dos vários motivos é de que as melhores delas usam os tropos do gênero, seus clichês evidentes, para contar algo diferente através dos personagens.

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    2. Acho que dentro muitos motivos de eu gostar de histórias de zumbis, também está essa dos clichês, dentre outras. Há muitas metáforas nessa temática, sou suspeito em falar.

      Inclusive na série Desmortos, desenhada pelo Evaristo Ramos.

      No cinema, esses aqui foram os filmes que mais me cativaram: https://filmow.com/listas/zumbis-l34484/

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    3. Mas é bem isso mesmo, histórias de zumbi tem uma fórmula simples... E as melhores delas na verdade falam de outras coisas, não são sobre os zumbis em si.

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