sexta-feira, 3 de julho de 2020

O BLUES DE NOVA BABEL: A DANÇA DESSA NOITE (ATO 2)


Escrito por
MIKE WEVANNE

Obs: siga este link para ler o capítulo anterior.

2.

Jack acertou um direto no queixo do idiota que resolveu não sair da frente do seu punho. Atordoado, o cara caiu de bunda no chão. O resto da turma não se intimidou, estavam confiantes na superioridade numérica. Jack não os recriminou. O resultado de uma briga de quatro contra um era fácil de prever. Então achou que dar meia volta e sair correndo era a melhor aposta.

Banducci não era o bairro ideal para se livrar de uma perseguição a pé: os longos quarteirões murados das fábricas espalhadas pela região faziam com que a paisagem fosse uma monotonia cinzenta de asfalto e concreto, pouco propícia para encontrar vias alternativas para alguém em fuga.

Assim como o problema de um cão feroz não é o latido mas a mordida, as ameaças não lhe preocupavam. Ser apanhado, sim. Tentou parar um ônibus, sem sucesso, além do mais quase foi atropelado. Atravessou a rua mesmo assim, esperando que a sorte o seguisse logo atrás. Por pouco escapou de uma moto, então sim. Quando chegou do outro lado da rua espiou os seus perseguidores. Haviam parado para esperar o trânsito. Jack mostrou o dedo do meio e voltou à corrida.

Quando dobrou a esquina com os pulmões estourando, torcendo pra santa também ouvir o aperreio dos ateus, encontrou um boteco aberto. Entrou e pulou para detrás do balcão. Quando o dono do lugar já estava preparado para protestar sobre aquilo, Jack abriu a carteira e lhe deu uma nota de 50. Pouco depois ele ouviu vozes alvoroçadas vindas do lado de fora, ouviu o dono do bar dizendo aos estranhos que havia visto um homem correndo e pulando um muro de uma das fábrica ao lado.

Momentaneamente fora de perigo, Jack pediu uma dose de pinga. Foi embora antes que precisasse responder as perguntas do homem que já tinha adotado a postura do “velho sábio que dava sabedoria aos jovens tolos”. Foda-se. Jack não precisava de filosofia de cabeça branca. Ele precisava ferrar algumas pessoas antes de ser ferrado por elas.

Voltou atento pra rua. Ficou aliviado de ver que os seus perseguidores não estavam por perto. Apertou o passo até a parada de ônibus e pegou o primeiro que passou. A tempo de ver o grupo de lazarentos correr logo atrás, ensandecidos para lhe dar uma surra. Talvez merecida. Eles mandaram o motorista parar. Jack mentiu dizendo que eram assaltantes. Não parou.

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O tempo que levou para chegar ao Centro foi o tempo do céu trocar do rubro da tarde pro escuro da noite. Quando Jack encontrou uma rua conhecida, fez sinal e desceu do ônibus.

Seu punho estava dolorido e a fuga ainda lhe embrulhava o estômago. Ele sabia que escapar da surra tinha sido uma solução temporária para o verdadeiro problema. Foda-se. Jack não precisava pesar os problemas. Ele precisava de álcool. Não resolveria porra nenhuma, mas poria seus nervos no lugar.

O Cantina Luna era o bar mais próximo de onde estava. Viu os garçons arrumando as mesas na calçada, achou uma onde se acomodar e acenou para alguém atendê-lo. O lugar não ia demorar para ficar cheio de gente. O público dali não era o preferido de Jack, apesar de que as gentes bonitas que o frequentavam eram sempre um colírio, geralmente tinham o nariz empinado demais. A maioria era gente boa, mas que olhava torto para qualquer um que não se encaixasse em seus padrões sociais fúteis.

Futilidade era um remédio que Jack conhecia bem quando não dava conta do estresse. Lembrou das frases baratas de Marco tiradas de algum lugar que ninguém se importava — “Um homem sente-se bem de vez em quando ao exterminar as suas virtudes”.

Talvez ele conseguisse encontrar Vittorio no dia seguinte e resolver as coisas. Amaldiçoou o dia em que inventou de se intrometer em assunto que não era da sua conta — “Jack é nome de herói” —. Amaldiçoou o dia em que seu pai vinha com esse discurso para lembrar o motivo de ter lhe dado esse nome. Teria lhe poupado muitas surras na vida se aquela merda não tivesse sido enfiada em sua cabeça.

Três cervejas depois o Cantina Luna já estava fervilhando de gente. Além das mesas na calçada, o lugar tinha dois ambientes internos, com o bar e um palco onde eram realizados show nas noites de sábado. Uns cartazes anunciavam que a banda Egonia ia tocar naquela noite.

Enquanto esperava a quarta cerveja, a atenção de Jack foi de encontro às risadas vindas de uma mesa ao lado. Um grupo de mulheres conversando, todas eram bonitas e esbeltas, de maneira que o álcool fez com que ele ficasse curioso e engajado na brincadeira silenciosa de imaginar de onde tinham vindo. Foi quando percebeu entre elas uma pequena estrela cujo brilho não estava tão intenso. Alguma coisa tinha lhe roubado a alegria. Ela era baixa, pele escura, com o olhar distante, e ao contrário das amigas, seu sorriso saia sem muito ânimo.

Durante a quinta cerveja Jack encontrou uma amiga. Monique apareceu e lhe convidou para ir pro show daquela noite. Todos sabiam que era impossível discutir contra a empolgação dela, então Jack nem tentou e foi junto. As músicas da Egonia eram inspiradas. A juventude dos integrantes transpirava uma energia que Jack não tinha mais, mas sentia saudades.

Entre essa breve euforia causada pela música, pelo álcool e pela companhia da amiga, Jack reencontrou o grupo de mulheres que tinham lhe chamado a atenção do lado de fora do bar. Elas continuavam animadas, curtindo a balada da banda e a energia do Cantina… Exceto uma delas.

Ela e Jack seguiam seu próprio caminho através da noite. Pela penumbra do ambiente e pelas luzes intermitentes. Pela vibração das pessoas em volta e a pulsação da música ressoando no ar. Então seus olhares se cruzaram. Imediatamente os fantasmas que ambos escondiam dentro de si fizeram com que um se atraísse pelo outro. Foi assim que Susane conheceu Jack.

Eles não viram o final do show da Egonia. Antes disso encontraram algo um no outro, deram as mãos e foram embora do Cantina Luna. Fugidos de todo o barulho e das pessoas. Foram terminar sua noite em outro lugar. O quitinete onde Jack morava era uma espelunca, mas ele se julgava um bom anfitrião.

CONTINUA

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Saudações joviais.

Seguimos nossos passos por Nova Babel, mas agora olhando para trás. O que mais vamos descobrir?

Para aqueles que estiverem gostando da viagem, fiquem a vontade para deixar comentários com suas impressões, sugestões ou críticas. E se o texto merecer, que tal compartilhar com os amigos nas redes sociais?

Bons ventos.

(E até o próximo ato de A DANÇA DESSA NOITE)

PS: leia a continuação de "A dança dessa noite" seguindo este link!

— MWXS

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4 comentários:

  1. Entrei nessa história pra valer. Prosa boa, texto inteligente, história bem contada.

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    1. Massa que tu tá curtindo, Andy! Manter o ritmo das postagens que eu quero está difícil, cada vez post precisa de pelo menos duas reescritas para atingir o nível que eu quero e entre uma e outra tem que haver uns dias pro texto descansar na minha cabeça. A vantagem é que eu realmente sinto a diferença na qualidade que eu atinjo nesse processo. Só tenho que correr pra fazer isso sem afetar a regularidade das postagens aqui no blog!

      Mais uma vez, agradeço o comentário e as palavras gentis. O próximo ato deve ser o final deste conto (que deve ser reunido a outros já publicados em outras plataformas) e já estou rabiscando algumas coisas e pensando nas próximas histórias. Volto pro apocalipse zumbi? Continuo no noir? Arrisco na fantasia ou em suspense sobrenatural? Pense no aperreio! Hehehe!

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    2. Dizem os escritores que escrever é um processo penoso, uma reescrita sem fim. É ter a ideia e moldar o texto até a conclusão.
      Fico imaginando isso nos tempos das máquinas de escrever. Devia ser casca!

      Mas é isso, muitas vezes a regularidade pode ficar em segundo plano, é bom tornar a boa escrita afiada.

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    3. Meu problema maior realmente é o foco necessário na reescrita, mais do que polimento infinito esperando que o texto fique perfeito. Quanto a isso eu sou bem resolvido, o texto só pode atingir o nível de qualidade de acordo com minha habilidade, nem mais, nem menos. Digo, eu sinto a melhoria estabelecida ao passar uma ou duas "demãos" num texto, mas estipulo uma quantidade específica para que eu consiga conseguir o desapego necessário para passar prum próximo texto sem sentimento de culpa, hehehe!

      Uma vez que eu consigo seguir o rio fluindo, hakuna matata! Agora a energia que eu gasto tentando focar a atenção para revisar e preparar o texto, nossa! É como carregar o Um Anel para destruir em Mordor!

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