Escrito por
MIKE WEVANNE
Obs: leia os capítulos anteriores seguindo os links no final do post.
4.
Com os olhos de Karina buscaram ajuda, do outro lado da rua. O vizinho escondido entre os carros apenas olhou de volta. O maldito covarde aproveitou que ela havia atraído atenção suficiente para que ele mesmo escapasse dali e foi embora.
Enquanto dava passos incertos de volta para casa, ainda sem acreditar na atitude do desgraçado que lhe arrancou o fio de esperança, Karina olhou para o amontoado de desmortos na calçada, queria desesperadamente que a carcaça sendo dilacerada por eles não fosse Lucas. Os monstros já haviam descoberto sua presença e iam na direção de Karina, abandonando o corpo destroçado. Ela se esforçou mas não conseguiu ver o suficiente para identificá-lo.
Quando Karina ficou diante da porta e das janelas destruídas da própria residência, lembrou do terror que havia passado lá dentro. A repulsa tomou suas entranhas e se pudesse ela tinha parado para vomitar. Mas não podia parar e engoliu o que estava vindo. Correu para o portão da garagem, que estava aberto. Lembrou do carro. Empurrou um dos seus perseguidores que estava no caminho, o monstro perdeu o equilíbrio e foi pro chão, ela conseguiu alcançar o veículo. Puxou a maçaneta rezando para que estivesse destrancada.
Um dos desmortos a agarrou enquanto Karina fechava a porta e seus cabelos ficaram presos. Ela só conseguia gritar. Por socorro. Por Lucas. Pelo vizinho que havia a abandonado. E chorar. Segurou a raiz dos próprios cabelos, cerrou os dentes e puxou. Os desmortos gritavam do lado de fora, ela gritou mais ainda. As pancadas das mãos e das cabeças atingindo o vidro das janelas do carro eram enlouquecedores. O medo de que o vidro cedesse estava a destruindo por dentro. Soluçava aos prantos, ela queria que tudo aquilo não fosse verdade. Não podia ser real. Não podia! Desmaiou.
Karina acordou na penumbra da noite, seu corpo tremeu com o calafrio trazido pela lembrança do sonho ruim que teve. Uma resolução mentirosa que não durou muito depois dos seus sentidos começarem a entregar a realidade em volta. Ela estava no carro, ainda assediado sob as pancadas dos desmortos que queriam invadir o veículo e se empanturrar com a carne de Karina. Resignada, se ajustou sobre o assento do motorista, limpou as lágrimas do rosto e levou a mão até a parte de baixo do banco, mas de lá só conseguiu arrancar um pedaço de fita adesiva. A chave reserva do carro não estava no lugar onde deveria estar. Cerrou os dedos em volta do volante e foi tomada mais uma vez pela desesperança, então pensou que aquilo poderia significar que Lucas tinha pego a chave! Que Lucas estava vivo!
Como ela queria que ele estivesse ali! De repente o amor de Karina por Lucas explodiu em seu peito, retumbava tão intenso quanto a esperança dele surgir para resgatá-la! Seu próprio príncipe salvador… Ela ainda tinha humor suficiente para rir da bobagem da imagem que a ideia tinha formado. Viu o próprio punho sujo de sangue e reparou a ardência na cabeça, passou os dedos entre os cabelos e sentiu a ferida úmida deixada pelos vários fios que foram arrancados. Fechou os olhos e se debruçou sobre o volante.
Lucas fora seu porto seguro desde sempre. Mesmo durante aqueles meses de crise. Karina também sabia que era um um farol para Lucas. Depois de um dia ruim, mesmo que só houvesse lhes sobrado o silêncio, a morada do espírito de um era o coração do outro. Um lar vazio ainda é um lar para se buscar santuário. Adormeceu.
Karina Boones acordou presa dentro do seu carro, sitiada por aqueles cadáveres ambulantes que gruniam, arranhavam e golpeavam as janelas com os punhos e com as próprias cabeças ensanguentados. A claridade da manhã do lado de fora da garagem já fazia os vultos a sua volta tomarem forma. Ela os encarava, tentando encontrar qualquer humanidade que houvesse restado naquelas criaturas. Não conseguiu, mas na tentativa reconheceu alguns vizinhos. Pela compleição física, pelo tamanho do cabelo… Pela pequena mancha na bochecha, logo abaixo do olho esquerdo. Seus olhos marejaram novamente e os lábios tremeram. Lucas estava entre eles. Lucas era um dos desmortos. Forçando o próprio rosto contra o vidro, com a garganta esfolada, os olhos vidrados e avermelhados, enlouquecidos expressando uma raiva sem qualquer propósito.
As lágrimas riscaram o rosto cansado de Karina. Ela lembrou de tudo pelo que havia passado nas últimas horas. Todas as ações, todos os pensamentos, todas as esperanças… Todas as lembranças. Então ela sorriu.
Diante da morte, lembrou do quanto havia pensado na vida.
Será que Lucas também havia tido a mesma epifania? — Eu te amo, Lucas. — ela disse encarando a criatura oca em que seu marido tinha sido transformado. Estava sozinha como nunca esteve. Enfrentava uma tempestade de emoções que devastou sua mente. Estava erigindo uma cena emocionante demais para aquele filme mudo e estático que seu cérebro tentava absorver. Não havia mais qualquer esperança na qual se agarrar. Apenas o refúgio do desengano dentro de si, e foi lá onde Karina Boones se perdeu.
FIM
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Saudações joviais!
É isso! Mais um conto finalizado, com a benção das Musas! Para aqueles que chegaram até aqui, só tenho agradecimentos! E se o texto merecer, peço para que deixem comentários contando sua experiência: impressões, sugestões, críticas... Todo feedback é útil para o conteúdo melhorar! Ainda mais, espero que os textos estejam valendo para serem compartilhados com os amigos, que tal?
No mais, como está indo nossa viagem através de um apocalipse zumbi? Querem ver mais desse mundo desolado e sem esperança? Ou estão afim de um novo mundo? Uma história noir? Uma aventura de fantasia?
Seja lá o que as Musas nos reservarem, nos encontraremos na próxima sexta-feira!
Bons ventos!
MWXS
Obs: abaixo seguem os links para os capítulos anteriores do conto.
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Triste (e poeticamente) bonito.
ResponderExcluirA história de quem foi abandonado pela sorte é tão importante quanto as dos sobreviventes. Quem ficou pelo caminho também conta.
Fechou muito bem!
E com o favor das musas, virão mais histórias dessas pessoas que vão ficando pelo caminho...
ExcluirAgradeço a presença por aqui, Andy! Valeu!